Myocardial Injury After Noncardiac Surgery and its Association With Short-Term Mortality (CHASE)




A TROPONINA QUE MATA OU MARCA?

Circulation 2013: 127; 2264 - 2271 (CHASE Trial)  

Vem se tornando rotineiro na literatura a publicação de artigos que tentam identificar o papel da dosagem sistemática de troponina no pós-operatório de cirurgias não cardíacas. O CHASE (Cardiac Health After Surgery) publicado em 2013 no Circulation é mais um para aquecer a atual discussão.

Esta coorte observacional, unicêntrica, desenvolvido em um hospital terciário na Holanda, incluiu em um ano 2232 pacientes consecutivos, maiores de 60 anos, admitidos para cirurgia não cardíaca de risco intermediário a elevado. Com racional baseado nos recentes resultados do estudo VISION e em metánalise publicada em 2011, ambos fortes sugestivos de associação entre alteração de troponina e mortalidade, o CHASE buscou avaliar a capacidade preditora da injúria miocárdica (elevação isolada de troponina) em relação à mortalidade nos primeiros 30 dias após cirurgia (desfecho primário).

Foi determinado no hospital que como rotina todos os pacientes tivessem dosagens de troponinas solicitadas pelo anestesista para o 1º, 2º e 3º PO. É nesse ponto que precisamos estar atentos a um primeiro detalhe. Em uma leitura mais rápida a impressão que temos é que estamos diante de uma coorte prospectiva, entretanto, o CHASE foi de fato uma coorte (partiu da dosagem de Tn para o desfecho), mas de caráter retrospectivo. Os dados foram obtidos de maneira retrógada através da análise de prontuário. É válido lembrar com esta metodologia o estudo fica mais vulnerável a vieses de observação.  

Do total da amostra, 1627 pacientes tiveram alguma dosagem de troponina realizada (72,8%) e em apenas 907 (55,4%) foram realizadas as três dosagens previstas. Neste grupo de troponina dosada, 315 pacientes (19,4%) apresentaram injúria miocárdica caracterizada por Tn > 0.06 ng/ml. À partir desse dado é possível identificar perda significativa de pacientes por falta de dosagem de troponina (27,2%). Precisamos, então, analisar se esta perda foi aleatória? O que percebemos é que NÃO, pois os pacientes excluídos tinham um perfil de menor gravidade. Existiu aqui, portanto, um viés de seleção que pode ter influenciado no resultado final do trabalho. 

A mortalidade no grupo injúria miocárdica foi de 8,6% comparada a 2,2% nos demais pacientes, portanto representaria um risco relativo de quase quatro vezes maior de morte. Estes pacientes morrem mais porque sofreram injúria miocárdica ou porque são de base mais graves? Detalhando os 1627 pacientes analisados, notamos aumento de injúria miocárdica entre os pacientes mais idosos (15% nos pacientes entre 60-69 anos, 20% entre 70-79 anos e 30% em pacientes > 80 anos). Esse não é um dado isolado! Podemos observar também que os pacientes que tiveram troponina alterada não eram apenas mais idosos. Verificamos, na análise univariada,  que esses pacientes eram, de maneira estatisticamente significante, mais submetidos a cirurgias de alto risco ou de emergência, possuíam mais doença isquêmica cardíaca, AVC, insuficiência renal, hipertensão e doença vascular periférica. Em outras palavras, pacientes mais doentes quando comparados aos que não tiveram a troponina alterada. Quando parte para analise multivariada (é nesse ponto que vem a surpresa) o autor deixou fora do modelo muitas destas variáveis citadas e consideradas preditoras de mau prognóstico. Com este “recurso” demonstrou que mantiveram-se como preditores independentes apenas troponina e cirurgia de emergência. Vale salientar que o autor possuía poder estatístico para levar todas variáveis positivas da análise univariada para multivariada, mas não o fez, dando espaço para variáveis de confusão.

O autor criou, então, dois modelos de predição: um formado apenas com preditores pré-operatórios de risco e um segundo no qual acrescentou a alteração de troponina. Estes modelos foram testados com elaboração de curvas ROC que demonstrou que a adição de troponina aumentou a área abaixo da curva apenas de 0.75 para 0.78. Lembrando que aumentos significativos são aqueles que adicionam pelo menos 0.05 de capacidade preditora. Nesse caso observamos discreta melhora da curva ROC (0.03), além do que, apenas seriam reclassificados 2% dos pacientes quando incluído à troponina ao modelo. Em outras palavras, apenas 2 pacientes em 100 teriam seu risco reclassificado (para cima ou para baixo). Tal reclassificação não parece justificar a dosagem sistemática de troponina em todos os pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas, diante do custo imposto por esta prática.

Para finalizar temos observado que, com o passar do tempo, a troponina tornou-se sensível o suficiente para agir como um marcador do grau de severidade de doenças não relacionadas ao coração. Atualmente, a mensuração dos níveis séricos da troponina nos fornece informações prognósticas de uma série de doenças que não são originárias de obstrução das artérias coronárias. Como exemplo podemos citar embolia pulmonar, doença pulmonar obstrutiva crônica, sepse e hemorragia subaracnóidea. Em todas elas a elevação da troponina está relacionada a pior prognóstico MARCANDO um paciente de maior gravidade, não necessariamente decorrente de alterações ateroscleróticas mas pela sua doença de base. A melhoria da sensibilidade do teste criou uma condição na qual o biomarcador é tão facilmente detectado que conseguimos identificar pacientes com maior risco para qualquer evento adverso mais do que eventos cardíacos específicos. Não devemos desviar nossa atenção para a verdadeira causa do evento adverso!

Voltando ao título desta postagem, neste caso, a troponina alterada é apenas a troponina que marca e não a que mata!  

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